A redução das grandes disputas empresariais perante o Poder Judiciário tem sido bastante comentado entre os juristas

A redução das grandes disputas empresariais perante o Poder Judiciário tem sido um dos assuntos bastante comentados entre os juristas, notadamente do meio empresarial, nos últimos anos. A prática forense vem nos mostrando que as varas empresariais, antes ocupadas por causas milionárias envolvendo sociedades de variados portes, passaram a lidar principalmente com ações de pouca complexidade e processos de recuperação judicial ou falência. Mas será mesmo que as disputas de maior envergadura — seja em termos de complexidade jurídica ou valor econômico-financeiro — estão se reduzindo?
Segundo uma recente pesquisa[1] sobre a jurisprudência recente do Tribunal de Justiça de São Paulo, ações envolvendo acordos de acionistas, contratos de M&A e mercado de capitais não tem sido tão frequentes em suas Câmaras Reservadas de Direito Empresarial[2]. Logo em São Paulo, estado vanguardista, não apenas na especialização de foros, onde se concentram juristas expoentes em matéria societária e a maior parte da riqueza nacional. O que mais se tem visto nessas câmaras julgadoras especializadas na matéria empresarial são disputas relacionadas a contratos de franquia e usos indevidos de marca. No campo societário, as disputas normalmente envolvem prestações de contas e cobranças entre sócios de baixo valor em (utilizando a expressão empregada pelo nosso Código Civil) sociedades limitadas.

NÚMERO DE NOVAS AÇÕES SOBRE LITÍGIOS EMPRESARIAIS

Num primeiro momento, poderia se pensar que o desaparecimento dessas grandes disputas societárias fosse resultado de uma redução do próprio número de ações em matéria empresarial — ou até mesmo do desenvolvimento de outras técnicas de resolução de litígios como a mediação. Não nos parece, entretanto, ser o caso. Os dados de distribuição de processos coletados pelo programa Justiça em Números entre os anos de 2016 e 2018, do Conselho Nacional de Justiça, revelam que a quantidade de ajuizamento de ações novas que versam sobre matéria empresarial vem crescendo nos últimos anos, especialmente nos estados de São Paulo (de 20.452 em 2016 para 37.540 em 2018) e do Rio de Janeiro (de 6.114 em 2016 para 18.537 em 2018)[3].

O gráfico de Distribuição de Processos na Vara Empresarial de São Paulo[4] (abaixo) também revela aumento do número de ações novas em matéria empresarial. As varas empresariais de São Paulo receberam uma média mensal de 48 novas ações em 2018. Em 2019, essa média ficou em 60 novas ações por mês, um crescimento de quase 25%.
Em Minas Gerais, o programa Justiça em Números indica que o número de conflitos societários não falimentares[5] saltou de 2.183 em 2014 para 2.391 em 2018. O maior crescimento ocorreu nas ações envolvendo desconsideração da personalidade jurídica. Na Comarca de Belo Horizonte, há duas varas especializadas em matéria empresarial. Para a segunda instância, contudo, o Tribunal mineiro não seguiu a mesma lógica e ainda não se dedicou a realmente especializar as câmaras julgadoras. Ou seja, onde se esperaria debater com maior profundidade matérias puramente de direito societário, acaba-se por pulverizar as ações entre magistrados dedicados a julgar praticamente toda matéria de natureza cível. O prejuízo à qualidade da prestação jurisdicional, à formação dos precedentes (a que com razão tanto se tem dado relevância no sistema processual vigente) e à própria eficiência da atividade estatal é enorme.

Grandes disputas societárias – Distribuição de Processos na Vara Empresarial

MIGRAÇÃO DE LITÍGIOS EMPRESARIAIS PARA ARBITRAGEM

A verdade é que os grandes litígios empresariais estão migrando de campos de disputa. Nos Estados Unidos, as leis específicas e a qualidade das decisões judiciais do Estado de Delaware tem atraído para lá a instalação da sede de importantes sociedades, justamente para se prevenirem eventuais disputas. Entre outras razões, a repartição de competências legislativas estabelecida pela Constituição não permitiria esse mesmo efeito no Brasil. Diferentemente do que ocorre em Delaware, aqui a arbitragem vem gradativamente substituindo o Poder Judiciário como método mais adequado ao empresariado brasileiro para solucionar casos de maior complexidade ou valor envolvido.

Uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) em 2017 revela que as disputas societárias representam uma parcela bastante expressiva dos procedimentos arbitrais administrados pelas principais câmaras de arbitragem do País[6]. No Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), as disputas societárias e os litígios decorrentes de contratos de M&A perfazem mais da metade de todos os seus procedimentos em curso. Na Câmara de Arbitragem da FIESP-CIESP, cerca de um terço de seus procedimentos em curso versam sobre disputas societárias ou contratos de M&A[7].

“A arbitragem vem gradativamente substituindo o Poder Judiciário como método mais adequado ao empresariado brasileiro para solucionar casos de maior complexidade ou valor envolvido.”

VANTAGENS DA ARBITRAGEM

Entre outros fatores, estimulam a escolha da arbitragem: a possibilidade de as partes escolherem quem atuará como árbitros da disputa; a flexibilidade e a celeridade do procedimento arbitral; e a prerrogativa das partes de convencionarem o sigilo de todos os atos praticados no curso da arbitragem.

Eleger voluntariamente um profissional altamente especializado em determinada matéria para decidir sobre a disputa é, sem sombra de dúvidas, um atrativo relevante da arbitragem. O cidadão que não opte pela arbitragem está necessariamente adstrito a um magistrado, designado conforme as regras de competências material e territorial definidas por lei e normas de organização judiciária, por vezes responsável por enfrentar toda e qualquer matéria de direito.

Em matéria societária, o tempo de tramitação das disputas é extremamente relevante e potencialmente deletério à saúde das empresas. Estatisticamente, um processo judicial leva em média 4 anos e 4 meses para ser decidido pelos Tribunais de Justiça estaduais[8], podendo levar mais alguns anos para se esgotarem todos os recursos (trânsito em julgado) se o caso chegar aos Tribunais Superiores. Por sua vez, os procedimentos arbitrais no Brasil costumam terminar em cerca de 1 ano e 9 meses[9], garantindo às partes uma decisão final, vinculante e exequível sem revisão de mérito em mais de 150 países, por força da Convenção de Nova York.

O sigilo atribuído de maneira irrestrita a quase todos procedimentos arbitrais é um ponto que merece reflexões à parte pela comunidade de juristas. Do ponto de vista do empresário envolvido na disputa, o sigilo é vantajoso, em razão da destruição de valor que o litígio pode causar ao negócio. E, nesse ponto, vale ressaltar que o Código de Processo Civil ampliou os efeitos da cláusula de confidencialidade eventualmente pactuada no procedimento arbitral, garantindo a tramitação em segredo de justiça para todos os desdobramentos processuais de arbitragens sigilosas — notadamente os pedidos de tutela provisória (decisões liminares) que antecedem a instauração do procedimento arbitral.

ARBITRAGEM E GOVERNANÇA CORPORATIVA

Por conta desses fatores, a opção pelo juízo arbitral é tida como medida de boa governança corporativa pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)[10] e pela B3, que inclusive exige a inclusão de cláusula compromissória arbitral em estatuto social como condição de acesso aos segmentos de listagem do Bovespa Mais, Bovespa Mais Nível 2, Nível 2 e Novo Mercado.

Na mesma linha, a reforma da Lei de Arbitragem implementada em 2015 buscou facilitar o acesso das sociedades anônimas à arbitragem, encerrando antiga discussão sobre a vinculação dos acionistas dissidentes à cláusula arbitral aprovada pela maioria do capital votante, mediante inclusão de um novo dispositivo na Lei das S.As. que prevê expressamente que todos os acionistas são obrigados a submeterem-se à arbitragem. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também fomentou a utilização da arbitragem ao prever, em sua Instrução Normativa nº 555/2014, a obrigatoriedade de sociedades anônimas de capital fechado incluírem cláusula arbitral em seus estatutos sociais para poderem receber investimentos de fundos de ações.

As grandes disputas societárias, portanto, não desapareceram. Deslocaram-se do Poder Judiciário para as câmaras de arbitragem. A nosso ver, esse processo de migração é irreversível e tende a se intensificar. Cabe aos profissionais do direito não apenas se prepararem para essa forma de disputa, como também escolhê-la ou não adequadamente conforme o caso concreto.

[1] Pesquisa citada por Paula Forgioni, professora Titular do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP, em conferência ministrada no congresso Disputas em Contratos de M&A, promovido pelo IBRADEMP – Instituto Brasileiro de Direito Empresarial em 07/10/2019 na cidade de São Paulo.

[2] De acordo com a Resolução nº 538/2011 do Tribunal de Justiça de São Paulo, as Câmaras Reservadas de Direito Empresarial dedicam-se exclusivamente a julgar conflitos envolvendo o Livro II da Parte Especial do Código Civil (que trata do Direito de Empresa), a Lei das S/A, propriedade industrial, concorrência desleal e contratos de franquias.

[3] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Banco de Dados Justiça em Números – Demandas por classe e assunto. Disponível em: <https://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%5Cpainelcnj.qvw&lang=pt-BR&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true>, acesso em 27/11/2019. Os dados indicados levaram em conta o conjunto de ações com assunto “Empresas”.

[4] Disponíveis para download em: <http://www.tjsp.jus.br/produtividadeweb/>, acesso em 27/11/2019.

[5] Ações envolvendo os assuntos “Sociedade”, “Espécies de Sociedades” e “Mercado de Capitais”. As ações com assunto “Empresas” sofreram leve queda nesse período, muito por conta da diminuição no número de falências e recuperações judiciais (em 2014 foram ajuizados 2.916 processos dessa espécie, enquanto em 2018 foram distribuídos apenas 2.499).

[6] CENTRO DE ESTUDOS DAS SOCIEDADES DE ADVOGADOS. Anuário da Arbitragem no Brasil 2017. São Paulo: CESA, 2018. Disponível em: <http://www.cesa.org.br/media/files/CESAAnuariodaArbitragem2017.pdf>, acesso em 27/11/2019. p. 15.

[7] CENTRO DE ESTUDOS DAS SOCIEDADES DE ADVOGADOS. Anuário da Arbitragem no Brasil 2017. São Paulo: CESA, 2018. Disponível em: <http://www.cesa.org.br/media/files/CESAAnuariodaArbitragem2017.pdf>, acesso em 27/11/2019. p. 15.

[8] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório Justiça em Números 2019. Brasília: CNJ, 2019. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf>, acesso em 27/11/2019. p. 39.

[9] Arbitragem demora, em média, 1 ano e 9 meses para solucionar conflitos no Brasil. Migalhas, 10 de abril de 2019. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI299336,21048-Arbitragem+demora+em+media+1+ano+e+9+meses+para+solucionar+conflitos>, acesso em 27/11/2019.

[10] INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa. 5ª Edição. São Paulo: IBGC, 2015. p. 27.

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