A pandemia impacta diretamente as atividades econômicas em graus diversos

O atual cenário de pandemia deflagrada pela covid-19 e o estado de calamidade pública que assola o país impactam diretamente as atividades econômicas em graus diversos. Os três âmbitos da federação concorrem entre si na edição de normas sobre a restrição de circulação de pessoas em espaços públicos e de funcionamento de estabelecimentos comerciais.
Parques, praças, clubes, shopping centers, vilas gastronômicas, salões de belezas, academias, bares, casas noturnas, lojas de rua, entre outros, foram fechados ou tiveram relevante limitação de funcionamento em todo território nacional. Como sobreviver no ambiente de crise é, decerto, a maior preocupação dos empresários, sobretudo os de menor envergadura. A queda abrupta de faturamento impõe ao comerciante, de plano, a redução de despesas, e dentre as principais delas está o aluguel do estabelecimento comercial.
Diversos comerciantes já bateram à porta do Poder Judiciário em busca de medidas liminares de suspensão de pagamento ou de redução do preço do aluguel. Regra geral, as discussões jurídicas giram em torno de institutos de direito civil já consagrados, porém de delicada caracterização de seus elementos no caso concreto: teoria da imprevisão, caso fortuito e força maior, exceção do contrato não cumprido e onerosidade excessiva. Por óbvio, a situação ainda é bastante iminente. Até agora, o que se têm são decisões liminares que, por definição técnica, não devem exaurir a matéria, mas apenas aferir se aparentemente há boas razões nas alegações da parte requerente e se haverá dano caso não haja uma intervenção judicial imediata. Tem-se visto mais considerações de ordem social e econômica do que propriamente fundamentação jurídica, no sentido de aplicar corretamente os instrumentos legais e contratuais que regulam o cumprimento prolongado das obrigações ao longo do tempo.

Em casos de contratos de locação de espaço comercial em aeroportos, por exemplo, as decisões liminares têm determinado a redução do preço do aluguel enquanto permanecerem em vigor as políticas de restrição de circulação de pessoas. De acordo com essas decisões, a medida tem como fundamento de fato a excepcionalidade do momento atual em que vivemos e, de direito, a teoria da imprevisão – o que, conjugado, impossibilitaria o pagamento integral do preço do aluguel. Autorizar a suspensão integral do pagamento do aluguel seria o mesmo que transferir todo o ônus desse momento delicado para o locatário, pontuou uma delas.

Noutro caso, a suspensão da cobrança de aluguel foi integral, com fundamento em questões como função social e manutenção do equilíbrio do contrato.

No tocante às locações em shopping centers, atingidos duramente pelas medidas de restrição de circulação de pessoas, também se tem assistido à redução do valor de locação por meio da suspensão de cláusulas contratuais que impõem o pagamento de preço mínimo de aluguel e de fundo de promoção e propaganda. Medidas cautelatórias contra a negativação do devedor também já foram aplicadas.

Entretanto, taxas de condomínio – que custeiam despesas incorridas na administração e conservação – tendem a ser mantidas.
Um ponto importante na formação do preço do aluguel nesses contratos é que shoppings center agregam ao fundo de comércio valor imensuravelmente maior ao locatário em termos de clientela se consideradas lojas de rua como parâmetro. Se esse fator prepondera para fixação do preço, é também natural que haja redução sensível caso a clientela não possa acessar o estabelecimento comercial.

Ainda que com menores restrições de acesso, contratos de locação de rua (academias, restaurantes, lojas etc.) também têm sido afetados por decisões liminares de redução do aluguel – em alguns casos, até mesmo suspensão do pagamento. As decisões consideram a possibilidade de intervenção pelo judiciário em situações excepcionais que possam tornar desproporcional ou excessivamente onerosa a prestação por uma das partes contratantes, utilizando como fundamento legal o artigo 317 do Código Civil.
Ainda não é possível aferir o grau de impacto das decisões liminares nos contratos de locação por tipos de estabelecimento. Talvez os instrumentos processuais de decisão coletiva – tais como o incidente de resolução de disputas repetitivas, o julgamento de improcedência prima facie e o julgamento de recursos especiais por amostragem – se encarreguem de traçar diretrizes para que haja um mínimo de uniformidade e segurança jurídica. Por ora, a casuística parece não permitir um critério de decisão que não seja baseado num senso imediato de justiça aplicado caso a caso. À ausência de disposições legais específicas de locação, é preciso recorrer às normas de direito civil. Diante desse contexto, num país de dimensões continentais cuja tradição ainda pouco valoriza o precedente, não surpreenderá que as decisões judiciais caminhem em direções divergentes, ainda que o ponto de partida das questões que se colocam seja um só.

No momento, o melhor caminho é o diálogo e a negociação pautada na boa-fé, de modo a conciliar os interesses em conflito. Se for o caso de disputa, a solução depende de uma análise circunstancial do caso, em que fatores como a natureza do contrato, a alocação de riscos em cláusulas contratuais e o real impacto econômico de lado a lado sejam observados com rigor. O apreço pela boa técnica jurídica não pode ceder ao apelo à equidade e às concepções individuais do que é justo, sob pena de se abrir espaço ao oportunismo. O ordenamento jurídico deve ser uma das ferramentas para sairmos da crise e tanto conferir segurança quanto aplicar corretamente os institutos quando os direitos estão em conflito.

*Colaborou Maria Clara Louzada, advogada do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados.

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